quinta-feira, novembro 30, 2006

brevemente no Cefalopode



quinta-feira, novembro 23, 2006

extra programa!!!

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Os mais populares

CARAS LINDAS & ASSIM ASSIM apresenta:
os cefalópodes mais populares!

1º lugar
O Bom Polvo Português vai às urnas feliz e endividado
2º lugar
Lula da Silva perde popularidade
3º lugar
Calamares, o senhor dos aneis
4º lugar
Elvis, Bebop the lula, she's my baby
5º lugar
Heróis do mar, nobre polvo...

O polvo segundo Raúl de Carvalho

«Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retrácteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.»

Raúl de Carvalho, poema “Serenidade És Minha”, 1955 (excerto)

O polvo segundo Júlio Verne


«Olhei também e não pude conter um movimento de repulsa. Ante meus olhos agitava-se um horrível monstro, digno de figurar nas lendas teratológicas.
Era um polvo de dimensões gigantescas. Teria cerca de oito metros de comprimento e caminhava recuando com incrível velocidade, em direção ao navio, cravando nele os grandes olhos de matiz esverdeado. Seus oito braços, ou melhor, seus oito pés, saindo da cabeça, o que faz com que esses animais sejam chamados cefalópodes, tinham o dobro do tamanho de seu corpo e se agitavam como a cabeleira das Fúrias. Podia-se ver bem as duzentas e cinqüenta ventosas espalhadas na parte interna dos tentáculos, em forma de cápsulas esféricas. Às vezes, tais ventosas se prendiam ao vidro da janela produzindo vácuo. A boca do animal, uma espécie de apêndice córneo parecido com o bico de um papagaio, abria-se e fechava-se verticalmente. A língua, que também era córnea, e com várias fileiras de dentes pontiagudos, saía vibrando como um verdadeiro alicate. Que capricho da natureza! Dar um bico a um molusco! Seu corpo fusiforme e maior em sua parte média formava uma massa de carne, cujo peso deveria ser de vinte a vinte e cinco mil quilos. Sua cor variava muito depressa, segundo o estado de irritação do monstro, indo do cinzento-claro até o marrom-avermelhado.
O que irritara o molusco? Talvez a presença do Nautilus, maior do que ele, e contra o qual de nada valiam seus tentáculos nem suas mandíbulas. Entretanto, a natureza concedeu muita vitalidade a esses polvos gigantes, dotando-lhes de três corações!
De repente, o submarino se deteve. Uma forte batida fê-lo trepidar.»

Júlio Verne, Vinte Mil Léguas Submarinas (excerto)

terça-feira, janeiro 10, 2006

O polvo segundo Sophia

«Depois pararam de rir e a menina disse: -Agora quero dançar. Então, num instante, o polvo, o caranguejo e o peixe transformaram-se numa orquestra. O peixe, com as suas barbatanas, batia palmas na água. O caranguejo subiu para uma rocha e com as suas tenazes começou a tocar castanholas. O polvo trepou para cima dos rochedos e esticando muito sete dos seus oito braços prendeu-os pelas pontas com as suas ventosas na pedra e, com o braço que tinha ficado livre, começou a tocar guitarra nos seus sete braços. Depois pôs-se a cantar. Então a menina saiu da água, subiu para uma rocha e principiou a dançar. E a água junto dos seus pés ia e vinha e bailava também. Escondido, atrás do rochedo, o rapaz, imóvel e, calado, olhava. Quando a cantiga e a dança acabaram, o polvo pegou na menina e com os seus oito braços muito escuros pôs-se a embalá-la. - Vem aí a maré alta, são horas de nos irmos embora - disse o caranguejo. - Vamos - disse o polvo. Chamaram o peixe e puseram-se os quatro a caminho. O peixe ia à frente a nadar com a menina ao lado, depois vinha o polvo e no fim o caranguejo, sempre com um ar muito desconfiado e furioso.»

«Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim. Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. O polvo arruma a casa, alisa a areia, vai buscar a comida. É de nós todos o que trabalha mais, porque tem muitos braços. O caranguejo é o cozinheiro. Faz caldo verde com limos, sorvetes de espuma, e salada de algas, sopa de tartaruga, caviar e muitas outras receitas. É um grande cozinheiro. Quando a comida está pronta o polvo põe a mesa. A toalha é uma alga branca e os pratos são conchas. Depois, à noite, o polvo faz a minha cama com algas muito verdes e muito macias. Mas o costureira dos meus vestidos é o caranguejo. E é também o meu ourives: ele é que faz os meus colares de búzios, de corais e de pérolas. O peixe não faz nada porque não tem mãos, nem braços com ventosas como o polvo, nem braços com tenazes como o caranguejo. Só tem barbatanas e as barbatanas servem só para nadar. Mas é o meu melhor amigo. Como não tem braços nunca me põe de castigo. É com ele que eu brinco. Quando a maré está vazia brincamos nas rochas, quando está maré alta damos passeios no fundo do mar. Tu nunca foste ao fundo do mar e não sabes como lá tudo é bonito. Há florestas de algas, jardins de anémonas, prados de conchas. Há cavalos marinhos suspensos água com um ar espantado, como pontos de interrogação. Há flores que parecem animais e animais que parecem flores. Há grutas misteriosas, azuis-escuras, roxas, verdes e há planícies sem fim de areia branca, lisa. Tu és da terra e se fosses ao fundo do mar morrias afogado. Mas eu sou uma menina do mar. Posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens.»

Sophia de Mello Breyner Andresen,
A Menina do Mar (excertos)

segunda-feira, janeiro 09, 2006

O polvo segundo o Padre António Vieira

«Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que S. Basílio e Santo Ambrósio. O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor! Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu! Lá disse o Profeta por encarecimento, que "nas nuvens do ar até a água é escura": Tenebrosa aqua in nubibus aeris. E disse nomeadamente nas nuvens do ar, para atribuir a escuridade ao outro elemento, e não à água; a qual em seu próprio elemento é sempre clara, diáfana e transparente, em que nada se pode ocultar, encobrir nem dissimular. E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!
Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossas mares, me estais respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições. E sobre o mesmo sujeito que defendeis, também podereis aplicar aos semelhantes outra propriedade muito própria; mas pois vós a calais, eu também a calo. Com grande confusão, porém, vos confesso tudo, e muito mais do que dizeis, pois não o posso negar. Mas ponde os olhos em António, vosso pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano. E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo.»

Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes (excerto)