terça-feira, janeiro 10, 2006

O polvo segundo Sophia

«Depois pararam de rir e a menina disse: -Agora quero dançar. Então, num instante, o polvo, o caranguejo e o peixe transformaram-se numa orquestra. O peixe, com as suas barbatanas, batia palmas na água. O caranguejo subiu para uma rocha e com as suas tenazes começou a tocar castanholas. O polvo trepou para cima dos rochedos e esticando muito sete dos seus oito braços prendeu-os pelas pontas com as suas ventosas na pedra e, com o braço que tinha ficado livre, começou a tocar guitarra nos seus sete braços. Depois pôs-se a cantar. Então a menina saiu da água, subiu para uma rocha e principiou a dançar. E a água junto dos seus pés ia e vinha e bailava também. Escondido, atrás do rochedo, o rapaz, imóvel e, calado, olhava. Quando a cantiga e a dança acabaram, o polvo pegou na menina e com os seus oito braços muito escuros pôs-se a embalá-la. - Vem aí a maré alta, são horas de nos irmos embora - disse o caranguejo. - Vamos - disse o polvo. Chamaram o peixe e puseram-se os quatro a caminho. O peixe ia à frente a nadar com a menina ao lado, depois vinha o polvo e no fim o caranguejo, sempre com um ar muito desconfiado e furioso.»

«Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim. Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. O polvo arruma a casa, alisa a areia, vai buscar a comida. É de nós todos o que trabalha mais, porque tem muitos braços. O caranguejo é o cozinheiro. Faz caldo verde com limos, sorvetes de espuma, e salada de algas, sopa de tartaruga, caviar e muitas outras receitas. É um grande cozinheiro. Quando a comida está pronta o polvo põe a mesa. A toalha é uma alga branca e os pratos são conchas. Depois, à noite, o polvo faz a minha cama com algas muito verdes e muito macias. Mas o costureira dos meus vestidos é o caranguejo. E é também o meu ourives: ele é que faz os meus colares de búzios, de corais e de pérolas. O peixe não faz nada porque não tem mãos, nem braços com ventosas como o polvo, nem braços com tenazes como o caranguejo. Só tem barbatanas e as barbatanas servem só para nadar. Mas é o meu melhor amigo. Como não tem braços nunca me põe de castigo. É com ele que eu brinco. Quando a maré está vazia brincamos nas rochas, quando está maré alta damos passeios no fundo do mar. Tu nunca foste ao fundo do mar e não sabes como lá tudo é bonito. Há florestas de algas, jardins de anémonas, prados de conchas. Há cavalos marinhos suspensos água com um ar espantado, como pontos de interrogação. Há flores que parecem animais e animais que parecem flores. Há grutas misteriosas, azuis-escuras, roxas, verdes e há planícies sem fim de areia branca, lisa. Tu és da terra e se fosses ao fundo do mar morrias afogado. Mas eu sou uma menina do mar. Posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens.»

Sophia de Mello Breyner Andresen,
A Menina do Mar (excertos)

5 Comments:

Blogger concertinartur said...

Benvindo à blogosfera!

Por acaso o trompetista d'Óis está metido nisto?

Se for caso disso grande abraço!

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1:39 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado Amigo Concertin'Artur!

Um grande abraço
e muitas felicidades
e sucesso
para o grande projecto, do qual sou fan, chamado Danças Ocultas.

6:56 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

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